sábado, 26 de junho de 2010

E agora, Esperança.

Ainda não li nem o P2, nem o Actual, nem a NS, nem sei o que vai vir na LER deste mês. Decerto o que vou dizer já outros o disseram e melhor. Mas acho importante dizê-lo.


Aquilo que Saramago mais deixou foi Esperança. O que para um ateu tão convicto é paradoxal. Mas verdadeiro. José Saramago teve alguns começos interrompidos da carreira de escritor. Começou em 1947, aos 25 anos, com um livro que se deveria ter chamado "A Viúva" e que se chamou "Terra do Pecado". Escreveu e editou poesia, com dois brilhantes títulos mas com poucos brilhantes poemas: "Provavelmente Alegria" e "Os Poemas Possíveis". Foi jornalista, escreveu por isso muitos textos de opinião. Mas só começou verdadeiramente a carreira de escritor em 1980 com "Levantado do Chão" ("Manual da Pintura e Caligrafia" serviu de antecipação, se quisermos). Quero com isto dizer que, aquele que a NS títula na capa como "o Nobel mais popular do mundo", começou a sua carreira com 58 anos. Só nos últimos dez anos, Elfriede Jelinek, Pamuk e Herta Müller viram ser-lhes atribuído o Nobel com, respectivamente, 58, 54 e 51 anos. Para não falar de Faulkner e Camus, galardoados aos 52 e 44 anos, respectivamente. Saramago começou a publicar livros a sério com mais anos do que muitos viram o prémio em questão.


Por isso falo de Esperança, assim, em maiúscula. É possível construir uma carreira de escritor, instituir uma literatura, sem ter começado aos 20 ou 30 anos a editar grandes livros. É certo que a percentagem de escritores que começou a publicar grandes livros com essa idade é bem maior do a que se iniciou com mais que 50 anos. Mas o que vale é que a percentagem, a média, e outras grandes referências estatísticas valem sempre o que valem: quase nada. (Um amigo contou-me que a média é muito gira: se ele tiver dois frangos e eu zero a média é um mas eu fico com fome.)


Eu comecei cedo - cedo demais - a publicar livros. Tinha 22 anos. Vale-me que os meus primeiros livros eram tão maus que ainda posso ter a esperança (assim, em minúscula, que a do Saramago é para aqueles que querem mesmo a carreira) de ter várias carreiras interrompidas.